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Inviabilidade de Licitação entre Advogados

   Muito já se disse e foi escrito sobre a inviabilidade de se realizar um procedimento licitatório para a contratação de serviço técnico de advocacia especializada pela Administração Pública. No entanto, diante do entendimento equivocado de que mesmo para tal objeto se faz necessária a competição em certame público, geralmente pelo critério menor preço, os maiores doutrinadores tem se posicionado sobre o tema.
José Afonso da Silva, considerado como o pai da Constituição de 1988 quanto aos aspectos técnicos, ou seja, um dos maiores, senão o maior, publicista em atividade no mundo jurídico brasileiro, emitiu um parecer no último dia 10 de junho de 2016, a pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no qual volta a abordar o assunto, considerando-se estar tramitando no STF, e já com julgamento adiado, o Recurso Extraordinário nº 656.558/SP, de Relatoria do Ministro Dias Toffoli, com repercussão geral reconhecida e que versa sobre a hipotética caracterização de ato de improbidade administrativa nos casos de contratação de serviços advocatícios por ente público por meio de inexigibilidade de licitação.
Para o referido jurista, apesar de o dever de licitar ter se tornado um princípio constitucional, a própria Lei Maior estabelece que haverá casos em que a lei poderá ressalvar hipóteses em que a licitação será inviável ou poderá ser dispensada. Não por outra razão, a dicção do artigo 25, II, combinado com o artigo 13, V, da lei de licitações, permite concluir sem dificuldades ser impossível e tecnicamente inviável a licitação para a contratação de serviços advocatícios pelo fato de que os mesmos se enquadram como serviço técnico especializado dotado de singularidade e tecnicidade.
O critério da “confiança” é o mais importante para se demonstrar a inviabilidade de competição entre eventuais advogados licitantes. Por isso, José Afonso da Silva registra, in verbis: “A peculiaridade mais saliente dos serviços advocatícios é que eles assentam no princípio da confiança, que repugna o certame licitatório, mas essa confiança que é subjetiva sim, mas com singularidades que afastam critérios puramente pessoais. Primeiro, porque decorre da natureza valorativa do objeto jurídico que, por se prender, a circunstâncias especiais que o liga ao titular, revela singularidade específica, depois porque as pessoas que precisam de um advogado, confiam em que o seu vai resolver o seu problema”.
No aludido parecer, o nobre jurista ressalta que mesmo havendo uma advocacia pública estruturada em regime estatutário, nada obsta que se terceirize determinados serviços advocatícios, exatamente no mesmo sentido do parecer nº AGU/MF-01/95; de recente decisão unânime da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (relatoria da desembargadora Avelirdes Almeida de Lemos); e do STF no julgamento do Recurso Extraordinário 690765/MG e agosto de 2014.
Aliás, o STF também decidiu em agosto de 2015 que o Judiciário não pode determinar criação de Procuradoria Municipal nem vedar contratação de advogados especializados para serviços terceirizados.
Silva ainda traz importante recordação a todos os que se permitem refletir sobre o tema. Trazendo à colação um relevantíssimo estudo de Alice Gonzalez Borges, professora titular da Faculdade de Direito Administrativo da Universidade Católica de Salvador, o parecerista faz comparações entre as normas aplicáveis para demonstrar ser totalmente inviável e ilegal a realização de licitação para a contratação de serviços advocatícios, porque:
a) A ética na advocacia não se amolda à necessidade de competição entre advogados ou sociedade de advogados exigíveis numa licitação;
b) O Estatuto da OAB proíbe ao advogado angariar ou captar causas e o Código de Ética diz haver incompatibilidade do exercício da advocacia com procedimentos de mercantilização, de modo a não ser possível uma conciliação da exigência de competição da lei de licitações com a proibição de concorrência de advogados entre si pelo “menor preço”, prevista o Estatuto da Advocacia;
c) mesmo nas licitações que tem como critério de julgamento a “técnica e preço” ou somente a “melhor técnica”, a tendência é que se descambe para a desvalorização do serviço advocatício, em desrespeito, não raro, à tabela de honorários advocatícios aprovado pela OAB;
d) O Código de Ética proíbe nas propostas e anúncios de serviços qualquer tipo de menção ao tamanho, qualidade e estrutura do escritório profissional, ao passo que a lei de licitações traz como uma das exigências para a habilitação em certames a indicação das instalações materiais da empresa licitante;
e) O Códido de Ética da Advocacia veda a divulgação de listagem de clientes e patrocínio de demandas anteriores, o que ensejaria captação de clientes, enquanto a lei de licitações traz como exigência de comprovação de capacidade técnica a apresentação de atestado(s) de que já tenha prestado serviços para órgãos públicos ou privados em atividades semelhantes.
Enfim, o magistral trabalho do grandioso José Afonso da Silva ainda trouxe recentes e antigos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal, da lavra dos Ministros Eros Grau, Carlos Mario Veloso e Carmen Lúcia; além de se arrimar em doutrina de Marçal Justen Filho, Alice Gonzalez Borges, Hely Lopes Meirelles, Carlos Ari Sundfeld, bem como em texto de sua própria autoria. Tudo isso para concluir, com simplicidade, profundidade e lucidez, ser “inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade e a inviabilização objetiva da competição”, e com base em entendimento do Ministro Eros Grau sustenta que estes “serviços técnicos profissionais especializados são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado”.
Arrematando o trabalho, o professor aposentado da Faculdade de Direito da USP assevera não haver que se falar em crime contra a licitação, tampouco em ato que configure improbidade administrativa, quando ocorre a contratação de serviço advocatício por inexigibilidade de licitação, prevista na própria lei nº 8.666/93, mesmo porque é impossível, num procedimento licitatório cujos participantes sejam advogados ou seus escritórios, cumprir-se com a exigência de competitividade sem que se feria outros princípios éticos e de direito.
Com isso, resta ao STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 656.558/SP, decidir definitivamente sobre esta questão tão clara e cada vez mais óbvia, a ponto de já ser abertamente defendida, inclusive, pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Porém, conquanto esteja pendente de julgamento o referido processo, nada obsta que cada intérprete, na qualidade de operador do Direito, adote o seguro posicionamento em testilha.
Nestor Fernandes Fidelis.
 

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