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Acumulação de cargos públicos

 Há anos discute-se no Brasil sobre a possibilidade de uma pessoa acumular cargos públicos. Inúmeras vezes fomos consultados quanto ao tema e a resposta sempre tem sido a mesma.

Ainda assim, novas questões surgem, fazendo com que a jurisprudência, uma das fontes formais mediatas do direito, assuma papel de maior destaque para o deslinde das controvérsias, à luz do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, quando estabelece que na omissão da lei, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

É sabido e consabido que a Constituição da República prevê uma regra (art. 37, XVI), quer seja a inacumulabilidade de cargos públicos, empregos públicos e funções públicas. Porém, a própria Lei Maior já traz expressamente os casos em que tal regra não se aplica, ou seja, indica um rol taxativo de casos em que é aceitável a citada acumulação.

Diz a Constituição que a acumulação é possível desde seja nas hipóteses de: de dois cargos de professor; um cargo de professor e outro cargo técnico ou científico; e dois cargos ou empregos privativos de profissional de saúde com profissões regulamentadas.

De qualquer forma, há outro requisito sinequanom: a compatibilidade de horários. Ora, sem um perfeito casamento entre as funções e suas respectivas jornadas de trabalho, tornar-se-ia impossível, em diversos casos aparentemente absurdos (mas que ocorrem no caso concreto) que determinado servidor laborasse durante mais de vinte e quatro horas por dia, conforme algumas aberrações já apresentadas.

Tal previsão constitucional tem sido praticamente reproduzida nas Leis Orgânicas Municipais, nas Constituições Estaduais, bem como nas leis que dispõem sobre os estatutos dos servidores públicos em todas as esferas.

O grande questionamento ainda presente em diversos casos diz respeito ao limite da chamada compatibilidade de horários. Muitos juristas já se posicionaram sobre a jornada máxima de trabalho compatível para ser considerada regular a acumuçaão de cargos, levando-se em conta que a inexistência e uma lei geral codificada sobre direito administrativo no Brasil, como há no direito penal ou civil, abre vasto espaço o livre pensamento doutrinário, que, por isso mesmo, também ganha relevante importância no mundo jurídico.

O fato é que há duas décadas, aproximadamente, grande parte da Administração Pública, não vem mais aceitando jornadas de oitenta horas semanais, adotando-se, portanto, o período de até sessenta horas semanais.

No entanto, há Tribunais de Contas, inclusive o da União, que já se manifestaram em seus feitos no sentido de que tal limite é uma invenção desprovida de força normativa e que não encontra arrimo na Constituição de 1988, devendo, portanto, cada caso ser analisado isoladamente, avaliando-se diversas questões atinentes ao caso concreto, pois podem sim serem consideradas válidas certas hipóteses de acumulação de cargos com compatibilidade de horários nos quais as jornadas sejam superiores a sessenta horas semanais, pois a extrapolação de tal período configuraria mero “indício de irregularidade” que deve ser verificado, sem prejulgamento, com vistas ao interesse público.

Obviamente, os Tribunais de Justiça já enfrentaram diversas vezes a questão, bem como o Superior Tribunal de Justiça, que rechaça a alegada força normativa que se pretendeu dar a um parecer da Advocacia-geral da União exarado em 1998. Ainda assim, a questão está longe de poder ser considerada pacificada.

Portanto, os aplicadores e interpretes da lei devem, realmente, sopesar diversas questões atinentes a cada caso específico, sempre se arrimando numa gama de princípios que regem o direito público e que estão intimamente interligados, não somente o da legalidade, mas considerando-se o da razoabilidade, o da continuidade do serviço público, o da supremacia do interesse público, dentre outros.

Também é primordial que se acompanhe o exercício do cargo, inclusive, pelas avaliações de desempenho funcional, algo muito importante para o servidor, para a Administração e, por conseguinte, para a sociedade. Tais avaliações encontram previsão legal e poderiam receber maior atenção pelos órgãos de controle e pelos fiscais da lei, pois seu escopo é melhorar a qualidade dos serviços públicos e a satisfação pessoal do trabalhador público.

Nestor Fernandes Fidelis


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