Realmente, o Brasil parou para assistir à votação do parecer que pugnava pela abertura de procedimento de impeachment contra a presidente Dilma. Mas o espetáculo de horrores demonstrado na Câmara dos Deputados deixou os brasileiros estarrecidos com seus representantes.
É claro que poucos se apegaram à técnica, mesmo sabendo que se tratava de um julgamento pelo Poder Legislativo, pois não é preciso ser formado em Direito para se tornar parlamentar federal no Brasil, bastando ser alfabetizado. Ademais, sabia-se, de antemão, que o julgamento teria norte político-partidário, o que é natural pelo nosso sistema político, conquanto para ambos os votos possíveis (sim ou não) houvesse argumentação jurídica plausível, pela nossa modesta ótica.
Mas o que chamou a atenção foi o excesso de recados direcionados às bases eleitorais, aos grupos econômicos, aos conterrâneos, aos políticos de outras esferas de governo, aos que comungam de mesmos ideais, aos correligionários, ao “povo de Deus” (como se houvesse um ser humano que não fosse de Deus), às classes profissionais, aos clubes sociais, às irmandades, à mãe, ao pai, aos filhos, aos tios, aos padrinhos, aos avós, entre outras tantas “homenagens” num momento que era tão somente para manifestar seu voto, eis que a fase dos discursos já havia passado. Eles não pensaram que estavam ali tomando o tempo de todos os brasileiros que não suportavam mais esperar pelo voto dos seus representantes e pelo resultado da votação. Venceu o oportunismo populista.
Não somos contra a democracia, tampouco deixamos de perceber que o momento era grave e talvez fosse um dos mais sérios da atual legislatura. Todavia, restou óbvio que a vontade de aparecer prevaleceu sobre uma postura mais comedida e ética. Os milhões de brasileiros não tem nada a ver com aqueles recadinhos que mais se assemelhavam às crianças que participavam do programa da Xuxa na televisão: “um beijo pro meu pai, pra minha mãe e pra você”. Teve um deputado que mandou recado para todas as gerações de sua família, depois dele outros se posicionaram, falaram, votaram, e mais tarde ele usurpou do microfone para dizer que havia se esquecido de um outro filho, que poderia ter ficado triste, mas que também era importante para ele. Sim, para ele. Mas os cidadãos do Brasil se perguntavam: “e o kiko?”. Um verdadeiro absurdo!
E o que falar dos deputados, pai e filho, cada um eleito por um Estado diferente, que homenagearam o golpe militar de 64 e o general torturador mais violento da recente história brasileira durante a Ditadura Militar, fazendo, com ridícula micagem, gesto de metralhar aos demais e proferindo ofensas “pessoais” à presidente? É de nos perguntarmos: para que isso? Foi útil? Foi bondoso? Agregou valores positivos as suas ideias? Falar que era um momento para desabafo é uma atrocidade moral, não somente porque extrapolou qualquer espécie de demonstração de dores emocionais íntimas, mas pelo fato de que não era o momento para isso.
Além de não ser oportuno, conquanto tenha sido oportunista, sugerir em pleno Estado Democrático de Direito (ainda que estejamos aprendendo a viver em democracia) que voltemos àquele tacão militar vivido recentemente é uma agressão para todos os brasileiros, não somente para os que mais diretamente foram afetados pela truculência olímpica, pelas mortes, pelos danos emocionais e financeiros, pelas doenças causadas, pelas famílias destruídas, pelas proibições de conversar, de se expressar, de caminhar, de se reunir, etc.
Ainda bem que a boca fala daquilo que está cheio o coração e, com isso, as pessoas tenham condições de conhecer melhor seus representantes. Em muitos momentos o referido parlamentar tem demonstrado ousadia e apresentado posicionamentos interessantes para as reflexões de todos. É importante exercitar a tolerância e respeitar o direito de se expor, o que era proibido nos tempos das Ditaduras evidentes que existiram na América Latina (pois há algumas veladas ainda). Porém, não é possível concordar com a defesa da violência. De forma similar, aos norte-americanos tem sido oportunizado conhecer o pensamento preconceituoso, discriminatório, violento e desumano de um dos pré-candidatos à presidência da nação. Ainda bem que eles falam muito.
O show de horrores da Câmara dos Deputados ainda teve mais um gesto de violência, desta vez, por parte de quem defende pseudo-causas humanistas. Um dos deputados, por discordar do outro, lhe procurou para dizer ofensas e lhe lançar uma cusparada à face. Nestes momentos não há como não se lembrar da frase de Renato Russo: que país é esse?
É lícito repisar, estamos aprendendo a viver em democracia. Yoani Sanches, a famosa blogueira cubana, quando esteve no Brasil foi duramente perseguida pelos movimentos organizados ditos de esquerda pelo fato de expor a sua visão sobre o socialismo já claramente derrotado em seu país, bem como sobre os absurdos da ditadura. Mas ela dizia: “ainda assim, hostilizada, me sinto feliz por viver a beleza desta momento de manifestação livre do pensamento, porque no meu país não temos essa possibilidade”.
Vivemos tempos de fanatismo por todos os lados. Buda nos asseverou que o melhor caminho é o caminho do meio. Mohandas Karamchand Gandhi, o Mahatma, foi político e mobilizou uma nação empobrecida e sugada com sua proposta da “não violência”. Jesus também foi político. Não ocupante de cargos temporários da Terra, mas trouxe a maior proposta de convivência e governança de todos os tempos: a paz, a fraternidade e o amor. Não se trata de algo utópico ou ingênuo, ainda que possa parecer um delírio para quem só se lembre de Jesus e sua proposta no fim de cada ano (quando o Papai Noel não toma conta). Mas sim de algo muito claro, conquanto trabalhoso, mas possível de ser vivido sobretudo pelos representantes do povo, agindo de acordo com a consciência.
Que Buda, Gandhi, Jesus e tantos outros luminares de todos os tempos possam fazer sentido na vida de cada eleitor, a fim de que possamos escolher os nossos representantes com o coração e a razão. E que estes reflitam sobre o seu papel (passageiro) na vida pública, pois eles também são nossos irmãos em evolução, sendo merecedores de nossas orações.
Nestor Fernandes Fidelis.