Chegamos naquele momento do ano eleitoral em que os pré-candidatos, que finalmente podem assim se autodenominar, inobstante sejam proibidos de pedir voto para si (sim, isso ocorre no Brasil), já se preocupam com o requerimento de registro de candidatura. Na verdade, não com o pedido propriamente dito, mas com a possibilidade de este requerimento não ser deferido pela Justiça Eleitoral, afinal, existem requisitos para que uma pessoa possa ser candidata, caso contrário estará inelegível.
A inelegibilidade é a perda da capacidade eleitoral passiva, ou seja, do direito de ser votado. A Constituição traz as seguintes hipóteses de inelegibilidades:
a) inelegibilidade dos inalistáveis e dos analfabetos (estrangeiros; os índios que não se integraram; aqueles que perderam ou que tiveram suspensos seus direitos políticos; os conscritos);
b) inelegibilidade para mais de uma reeleição (alcançando também os que tiverem sucedido ou substituído no curso do mandato do Chefe do Executivo);
c) inelegibilidade do Chefe do Poder Executivo para outros cargos, salvo se haver renunciado nos seis meses que antecedem o dia das eleições.
d) inelegibilidade, no território de jurisdição do titular, do cônjuge e dos parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição;
e) inelegibilidade do militar alistável (o militar com direito ao alistamento eleitoral poderá ser elegível, desde que se afaste da atividade militar, no caso de ter menos de dez anos de serviço; ou, se contar com mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, em elegendo-se, passará tácita e automaticamente para a inatividade no ato da diplomação).
Há causas de inelegibilidades cuja previsão não está na Constituição, mas em lei complementar. Elas são absolutas ou relativas. As causas de inelegibilidade infraconstitucionais absolutas tornam a pessoa impedida para se candidatar a qualquer cargo eletivo, sendo caracterizada, não raro, pelo abuso de poder econômico ou político ou pela rejeição de contas públicas. As inelegibilidades relativas, como o próprio nome diz, apenas causam o impedimento em relação a alguns cargos ou restringem a candidatura.
Também não podemos deixar de citar a Lei da Ficha Limpa, segundo a qual aqueles que tiverem condenação criminal a partir da segunda instância e mesmo não havendo transitado em julgado (grande afronta a princípio constitucional), ficarão impedidos de obter o registro de candidatura.
De todas essas causas de inelegibilidades, aquela advinda de reprovação de contas é a que ocorre com maior frequência. No entanto, desde 1990, quando a Lei das Inelegibilidades surgiu, há dúvida sobre a competência para definir sobre tal espécie de inelegibilidade, ou seja, se seria do Tribunal de Contas ou da Justiça Especializada, porquanto as Cortes de Contas, em geral, não descrevem o ato irregular como improbidade administrativa, tampouco a existência de dolo, isto é, não adentram no mérito da intenção de afrontar a lei para se beneficiar indevidamente.
Outrossim, isso se deve ao fato de que o Tribunal de Contas faz um julgamento sim, mas relativo. Relativo em comparação ao trabalho do Poder Judiciário, ou mesmo de outras instâncias julgadoras, tanto é que o órgão de controle externo de contas públicas não admite provas testemunhais em seus procedimentos, nem mesmo aceitam recursos interpostos contra os pareceres que emitem, pois não são meramente opinativos e surtem evidentes efeitos jurídicos restritivos de direito. Ademais, segundo ao Constituição, a função primordial do Tribunal de Contas é a de auxiliar o Poder Legislativo na análise das contas de governo.
Logo, a Justiça Eleitoral deve analisar, caso a caso, os pareceres exarados pelos Tribunais de Contas, bem como as decisões, conquanto políticas, emanadas do Poder Legislativo, a fim de verificar a existência de dolo no ato imputado como ímprobo.
Entretanto, no momento da verificação da existência de improbidade por ato doloso, a Justiça Eleitoral deve garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa, ainda que haja lacuna na lei quanto a tal fato. Por outro lado, se isso não for possível ou viável, torna-se necessário que tal função seja regulamentada e atribuída por lei para os Tribunais de Contas, desde que se garanta amplamente, sem restrição alguma, o direito ao contraditório, o que por certo alteraria e aumentaria em muito os trabalhos no órgão, mormente em ano eleitoral.
Por enquanto, caberá aos candidatos, por meio de seus advogados, pleitearem numa ou em ambas as instâncias o respeito aos seus direitos, principalmente os de ordem constitucional, tendo-se em vista que não é qualquer reprovação de contas que tem robustez suficiente para ensejar a inelegibilidade.
Nestor Fernandes Fidelis.