No tocante à transparência das contas públicas e, portanto, ao livre acesso às informações, dois recentes fenômenos nos chamam a atenção no estado de Mato Grosso. O primeiro diz respeito aos inúmeros municípios que buscaram a autoridade policial para informarem que o respectivo “site” oficial da municipalidade havia sido alvo de ataques de “hackers”. O segundo fato refere-se à notícia de que apenas 58 administrações públicas municipais (Poder Executivo) prestaram contas dentro do prazo, ou seja, quase a metade dos municípios mato-grossenses.
Haveria alguma correlação entre um fato e outro? Provavelmente, sim.
No entanto, face à gravidade do caso parece-nos oportuno consignar que a Constituição do Brasil estabelece que todo gestor de recursos públicos tem o dever de prestar contas, sob pena de, em não o fazendo, estar se consumando o crime de responsabilidade, sujeitando o seu autor, assim, ao procedimento de impeachment, bem como à intervenção do estado no município.
No estudo intitulado “As novas tecnologias e as contas públicas”, o distinto e sempre didático Mestre Luiz Henrique Lima leciona o seguinte:
“Com as Tecnologias de Informação e Comunicação, cada vez mais o conceito republicano de prestação de contas deixa de se referir a um processo empoeirado com documentos contábeis incompreensíveis ao leigo e de exame restrito a técnicos e passa a ser uma dinâmica compartilhada de acompanhamento simultâneo da gestão pública pela sociedade (...). Vale destacar que transparência é um conceito mais amplo que o da publicidade, pois, além da divulgação, intenta-se uma comunicação compreensível para a sociedade” (Fundação Demócrito Rocha – Universidade Aberta do Nordeste).
Os atos normativos que versam sobre a transparência da gestão fiscal, com acompanhamento pela sociedade em tempo real, determinam que o gestor público tem o dever dar ampla divulgação dos dados públicos por meios eletrônicos, inclusive dos chamados instrumentos de planejamento e execução orçamentária (prestação de contas, relatórios periódicos, análise de contas por controle interno, etc.).
Não por acaso o citado jurista, Dr. Luiz Henrique Lima, assevera do aludido trabalho que “está muito bem caracterizado no Direito brasileiro que a transparência é um direito dos cidadãos e uma obrigação dos gestores públicos. Na realidade, a transparência é o primeiro passo rumo a uma efetiva colaboração e participação dos cidadãos”.
Então, aos olhares dos órgãos de controle, causa estranheza o fato de que, anualmente, às vésperas do vencimento do prazo fatal para a entrega (ou envio) das prestações de contas, vários gestores aleguem que ficaram impossibilitados de o fazer devido aos ataques de hackers aos sites do Poder Público Municipal. Para quem analisa e fiscaliza as contas, dá a impressão de que tal argumento tem sido utilizado para dificultar a ação de controle externo e, o que é pior, para esconder ou mascarar dados de interesse público.
Do outro lado, vamos encontrar gestores que são ocupantes de cargos eletivos, isto é, pessoas que disputaram eleições para se tornarem ordenadores de despesas, prefeitos, enfim. Obviamente, não há interesse destes em correr o absurdo risco de terem suas contas reprovadas pelo Legislativo após as contas receberem parecer contrário à aprovação em decorrência da ausência de prestação de contas no prazo legal, afinal a consequência mais gravosa para o político que tem suas contas reprovadas é a sua inelegibilidade.
Ora, os municípios que realmente tiveram seus sítios na internet “hackeados” e, por conta disso sofreram criminosas extorsões de altos valores em dinheiro para terem os “sites” liberados, considerando, também, que em muitos casos ficaram impossibilitados de trabalharem com todos os sistemas informatizados (compras, pessoal, tributos, etc.), não devem apenas registrar um boletim de ocorrência junto à Polícia Civil e deixar de acompanhar o processo daí resultante. Torna-se imprescindível que demonstre ao Legislativo e ao Tribunal de Contas, mas também ao órgão de controle interno, que todos os cuidados foram tomados para evitar tais ataques virtuais. Além de outras medidas cabíveis, deve-se buscar a responsabilização de servidor que, eventualmente, possa ter deixado de realizar o que lhe era exigido, ou mesmo das empresas que prestam os serviços terceirizados no setor de informática, porquanto o interesse que está em jogo não é pessoal, mas se trata do interesse público.