Data de Disponibilização: 15/06/2020
Data de Publicação: 16/06/2020
Jornal: Diário Oficial MATO GROSSO
Caderno: Tribunal de Justiça
Local: COMARCAS. Entrância Especial Comarca de Cuiabá - 8ª Vara Cível
Página: 00423
Decisão
Classe: CNJ50 PROCEDIMENTO COMUM CIVEL
Processo Número: 102624794.2020.8.11.0041
Partes
Polo Ativo: MARIA DA CONCEICAO CARDOSO LEAL FERNANDES FIDELIS
Advogados: NESTOR FERNANDES FIDELIS e RICARDO FRANCISCO DIAS DE BARROS
Polo Passivo: UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
Magistrado: EMERSON LUIS PEREIRA CAJANGO
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIARIO 8ª VARA CIVEL DE CUIABA
Vistos.
Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c tutela provisória de urgência ajuizada por Maria da Conceição Cardoso Leal Fernandes Fidelis em desfavor de Unimed Cuiabá - Cooperativa de Trabalho Medico, aduzindo, em síntese, que e portadora de “neoplasia de mama avançada estádio clínico IV, com metástase em pulmão e fígado”, em tratamento desde o ano de 2015.
Narra que em razão do estado de desenvolvimento da doença, exige imediato tratamento hormonal paliativo para estabilização e controle, a fim de postergar a quimioterapia devido a sua idade avançada.
Informa que o medicamento prescrito (Palbociclibe/Ibrance) e de alto custo (R$ 18.000,00), muito além de suas condições financeiras. Solicitado a ré o fornecimento, esta negou, ao argumento que referida medicação não esta inclusa no rol da Resolução Normativa da ANS.
Requer o deferimento da tutela de urgência para que determine a ré que forneça/autorize/custeie imediatamente os medicamentos LETROZOL (FEMERA), 2,5mg (30 cp/mês) + PALBOCICLIBE (IBRANCE) 75mg (21 cp/mês), pelo tempo que for necessário, até a conclusão do tratamento, sob pena de multa diária.
E o relatório.
Decido.
A tutela almejada pela autora é regulada pelo art. 294 do CPC, que estabelece:
"Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidencia.
Paragrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental."
In casu, a pretensão almejada pela autora, de acordo com a sistemática processual, diz respeito a concessão da tutela provisória de urgência, eis que busca uma atuação pronta e eficaz do Judiciário.
Contudo, para sua concessão faz-se indispensável o preenchimento dos requisitos constantes no art. 300 e parágrafos do CPC, quais sejam:
"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferece-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou apos justificação previa".
Deste modo, os requisitos para a concessão da tutela de urgência são a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, não diferindo muito dos conhecidos requisitos fumus boni iuris e o periculum in mora.
Nesse sentido são os ensinamentos dos professores Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
"A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos e a probabilidade logica - que e aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito e provável para conceder tutela provisória.
(...) A tutela provisória e necessária simplesmente porque não e possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro. Assim, e preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo da demora. Vale dizer: ha urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito" (Novo código de processo civil - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 312 e 313).
Logo, para o deferimento da tutela almejada pela autora deve estar evidenciada a probabilidade do seu direito e o perigo da demora.
A relação existente entre as partes e de consumo, o que determina que as normas contratuais devem ser interpretadas de forma favorável ao consumidor, nos termos do art. 47 do CDC: "As clausulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor".
E, em havendo eventual clausula abusiva, esta devera ser extirpada sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (art. 51, IV, § 1º, incisos II e III), uma vez que constatado a desvantagem do consumidor.
Ademais, a negativa e/ou a demora em fornecer o procedimento/medicamento para o tratamento prescrito pelo medico responsável pela paciente, ora autora, desvia a finalidade do contrato, que e a proteção a vida, a saúde.
O medico responsável pela autora relata o motivo pelo qual prescreve o procedimento solicitado, demonstrando requisito do perigo da demora.
Afinal, em não sendo realizada a terapia prescrita, poderá a autora sofrer consequências irreversíveis.
Eis o que diz a declaração medica:
"A Sra. Maria Conceição Cardoso L. Fernandes Fidelis, 82 anos, e portadora de neoplasia de mama avançada estádio clinico IV, com metástases em pulmão e fígado, em tratamento medico nesta unidade desde 2015. Atualmente apresentando progressão da doença, com aumento da lesão da mama direita. ESTÁ INDICADO O INÍCIO IMEDIATO DE TERAPIA HORMONAL PALIATIVA. TAL TRATAMENTO VISA O CONTROLE DA DOENCA E TEM COMO OBJETIVO POSTERGAR A QUIMIOTERAPIA DEVIDO A IDADE AVANCADA DA PACIENTE E MULTIPLAS COMORBIDADES. Baseia-se no estudo de Paloma2 que mostrou beneficio no uso de Letrozol associado a Palbociclibe neste cenário. O inicio imediato deste tratamento e necessário para estabilização da doença, sob risco a vida" [...] (Id 33294350) (SIC).
É certo que as operadoras de planos de saúde podem regular as doenças que terão cobertura pelo plano, mas não podem restringir o medicamento, a forma e/ou material a ser utilizado para o tratamento, uma vez que esta esfera e atribuída ao medico responsável pelo tratamento do paciente.
Portanto, ante a gravidade da doença, assim como em respeito ao principio da dignidade da pessoa humana, que e o bem maior do ser, o deferimento da tutela se impõe.
O Superior Tribunal de Justiça entende que a operadora do plano de saúde não pode negar o custeio do tratamento que e essencial a preservação da saúde do paciente:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAUDE. RECUSA INJUSTIFICADA DE COBERTURA. APLICACAO DO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTERPRETACAO DE CLAUSULA CONTRATUAL. REEXAME DE PROVAS. SUMULAS NºS 5 E 7/STJ. AUSENCIA DE FUNDAMENTO CAPAZ DE ALTERAR A DECISAO AGRAVADA.
1. A jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade do plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas.
2. E abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde de procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para preservar a saúde e a vida do paciente.
3. No caso, o Tribunal de origem interpretou o contrato de forma favorável ao recorrido, afirmando que a limitação se mostrou abusiva, porquanto o material excluído era indispensável ao êxito do tratamento que estava previsto no contrato, na especialidade de ortopedia. A revisão de tal conclusão esbarra nos óbices das das Sumulas nºs 5 e 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1325733/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BOAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 03/02/2016).
De igual modo, a nossa Corte já decidiu e situação análoga:
"RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACAO DE OBRIGACAO DE FAZER - PLANO DE SAUDE - FORNECIMENTO MEDICAMENTO XELODA - PRESCRICAO MEDICA - DEVER DE FORNECIMENTO PELO PLANO DE SAUDE - INTERPRETACAO MENOS GRAVOSA AO CONSUMIDOR RECURSO DESPROVIDO.
1. "E dever da operadora de plano de saúde prestar de forma adequada a assistência medica, autorizando a adoção dos medicamentos devidamente prescritos para a realização de procedimento quimioterápico, vez que abrangido pela cobertura contratual. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento esta alcançado para a respectiva cura, cabendo ao medico assistente a escolha do tipo de medicamento a ser utilizado no tratamento da doença de seu paciente. A perquirição acerca da abrangência da efetiva cobertura do plano de saúde não pode recair em detrimento ao restabelecimento completo da saúde da pessoa humana, ainda que, futuramente, se repute o tratamento como de eficácia divergente para a doença diagnosticada" (TJMT, Quinta Câmara Cível, RAI 36753/2010, Relator: Des. Sebastiao de Moraes Filho, DJE 02/06/2010).
2. O contrato deve ser interpretado de acordo com o contexto em que se insere e modo menos gravoso ao consumidor, por forca do principio da dignidade da pessoa humana, os direitos a vida e a saude (CF, art. 1º, III, art. 5º, caput e art. 6º, caput). (TJMT, AI 88405/2013, DES. JOAO FERREIRA FILHO, PRIMEIRA CMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 11/02/2014, Publicado no DJE 19/02/2014).
Com estas considerações e fundamentos, defiro a tutela antecipada de urgência, e determino a ré que autorize e custeie, no prazo de 24 horas, o fornecimento dos medicamentos LETROZOL (FEMERA), 2,5mg (30 cp/mês) + PALBOCICLIBE (IBRANCE) 75mg (21 cp/mês), sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em caso de descumprimento desta decisão.
Em atenção ao que determina o art.334 e §§, do CPC, designo o dia 05/10/2020, as 11: 30 horas para a audiência de conciliação, que será realizada pela Central de 1º Grau de Conciliação e Mediação da Capital, através do recurso tecnológico de videoconferência.
A Gestora devera promover as devidas intimações das partes litigantes para a realização do evento nas datas e horários já agendados, consubstanciado no envio das intimações o respectivo link de acesso a sala virtual, através da plataforma Microsoft Teams, cuja conta já foi criada pelo Departamento de Tecnologia de Informação.
Intime-se a parte autora, na pessoa de seu advogado, para comparecer a audiência de conciliação, nos termos do art. 334, § 3º, do CPC.
Cite-se e intime-se a ré para a audiência de conciliação, respeitando a antecedência legal mínima de 20 (vinte) dias, prevista no art. 334, caput, do CPC.
Ficam as partes cientes de que o comparecimento acompanhado de advogado e obrigatório e que a ausência injustificada caracteriza ato atentatório a dignidade da justiça a ser sancionado com multa prevista no art. 334, § 8º, do CPC.
As partes, no entanto, podem constituir representantes por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir, conforme dispõe o art. 334, § 10, do CPC.
Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será de 15 (quinze) dias, iniciando-se a partir da audiência de conciliação, nos termos do art. 335, I, do CPC. A ausência de apresentação da peca contestatória acarretara na revelia da parte ré, presumindo-se, neste caso, verdadeiras as alegações de fato formuladas pela parte autora.
Decorrido o prazo para apresentação da contestação, a parte autora devera ser intimada para, no prazo de 15 (quinze) dias uteis, impugnar a contestação.
Cumpra-se com urgência, pelo Oficial de Justiça plantonista.
Cuiabá, 10 de junho de 2020.
Emerson Luis Pereira Cajango
Juiz de Direito em Regime de Exceção