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Prova Testemunhal no TCE

Há poucos dias recebemos uma consulta formulada por nobres e queridos colegas, advogados de determinado Município, sobre o “cabimento de produção de prova testemunhal em processo de denúncia no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso”. Aduzem, em outro contato, que a Administração Pública Municipal foi denunciada pelo Sindicato de Servidores junto ao Tribunal de Contas do Estado e esta Corte recebeu tal denúncia, tendo-a processado, julgado e condenado o prefeito ao pagamento de multa. Segundo as informações dos consulentes, a denúncia versada sobre uma hipotética arbitrariedade supostamente cometida pelo gestor municipal, que teria deixado de permitir que um membro do Conselho Municipal do FUNDEF tivesse acesso a determinadas informações, fato que teria ocorrido no início do ano de 2005. A defesa arrolou testemunhas que considerava serem essenciais para que se chegasse à verdade real, mas o Tribunal de Contas recusou-se a ouvi-las, asseverando que não cabe a produção de prova testemunhal em denúncia processada pela TCE. Segue abaixo nossa opinião sobre o tema: Trata-se de consulta de extrema importância para o atual momento pelo qual passam as Municipalidades de Mato Grosso, tendo em vista que tem aumentado consideravelmente o número de penalidades da espécie multa que nosso Tribunal Estadual de Contas vem aplicando aos gestores públicos municipais. São vários os motivos que têm ensejado a aplicação de tais multas, que chegam até o valor referente à 30% (trinta por cento) dos vencimentos anuais do prefeito: desde atraso no envio de balancete até condenações derivadas de denúncias, como no caso em apreço. Merece destacar que o valor arrecadado com o pagamento coercitivo de tais penalidades tem por destino um Fundo de Modernização do Tribunal de Contas, com base em regular ato normativo. A lei de crime contra as finanças públicas prevê não somente a aplicação da penalidade multa, mas, também, outras formas de sanção, de forma que não há que se falar em ilegalidade da medida, conquanto sua constitucionalidade possa ser questionada. Logo, não haveria razão alguma para se protestar contra tais condenações, desde que se observassem os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência do acusado, assim como se o nosso Tribunal de Contas não vinculasse a emissão de certidão negativa de débito ao pagamento dessas multas, ato abusivo e autoritário passível de ser sanado pela via do mandado de segurança, junto ao Poder Judiciário, é claro, conforme recente decisão favorável conseguida pelo Município de Itanhangá. Deixando de lado o fato de o Tribunal de Contas haver emitido parecer favorável à aprovação das contas pelos Parlamentares Municipais, ou seja, entendendo que não existiu grave irregularidade no exercício daquele ano de 2005 (tendo tal decisão feito coisa julgada), precisamos analisar especificamente a questão do cerceamento de defesa pela referida Corte que julgou o caso. A defesa não arrolou testemunhas para procrastinar o feito ou por outro qualquer motivo escuso. O pedido de oitiva de testemunhas se baseou no fato de que o sindicato denunciante havia tido a oportunidade de dizer nos autos que o prefeito recusava-se a prestar certas informações, ao passo que a defesa alegava que vários servidores públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo haviam prestado pessoalmente tais informações ao distinguido membro do Conselho Municipal do FUNDEF. Ora, se a uma parte é assegurado o direito de fazer prova pela sua narrativa pessoal, nada mais justo do que facultar à parte contrária o direito de produzir provas testemunhais e, também, por meio de depoimento pessoal, sob pena de estarmos regressando à época da Inquisição, onde se processava, condenava e julgava sem que o acusado pudesse defender-se escorreitamente. Todavia, o ínclito relator da indigitada denúncia consignou em seu decisum que “não há previsão de colheita de prova testemunhal, já que não há realização de audiência”. Em verdade, o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso não prevê a possibilidade de produção de prova testemunhal em processos que estejam sob a sua competência. Todavia, o Código de Processo Civil sempre foi subsidiariamente aplicável para regular os feitos que tramitam pelas Cortes de Contas, mormente em existindo lacunas na lei. Faz-se necessário refletirmos, portanto, nas finalidades precípuas dos Tribunais de Contas e para tanto, socorremo-nos da inteligência do jurista Nelson de Medeiros Teixeira, que em parecer no qual argüia a imutabilidade dos pareceres prévios e das decisões dos Tribunais de Contas, pelo Legislativo e pelo Judiciário, doutrinou da seguinte forma, in litteris: “A par de suas funções de auditoria financeira e orçamentária, tem a finalidade específica de julgar a regularidade das contas de todos os administradores, tanto da administração direta como da administração indireta e fundacional, além dos demais responsáveis pelo gerenciamento do erário (artigo 71, II da CF)”. “(...) o Tribunal de Contas tem, neste caso, total capacidade judicante. Aliás, é a própria Constituição que, ao tratar da decisão exarada pelos órgãos controladores da administração, emprega um termo técnico jurídico que não deixa nenhuma dúvida quanto à intenção do constituinte: JULGAR”. “É um julgamento político-administrativo, mas que tem efeito vinculante”. “Quando funciona na tomada de contas dos demais administradores e ordenadores de despesas públicas, que não as do Executivo, o tribunal pratica ato que não pode ser revisto pelo Poder Judiciário, a não ser quanto ao seu aspecto formal” (Contas do Legislativo: soberania do parecer do Tribunal de Contas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: ). Merece transcrição, portanto, a letra da Constituição da República, que se aplica simetricamente a todos os entes da Federação, verbis: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;” Reforçando entendimento acima exarado, José Cretella Junior estabelece, in verbis: "Inteiramente livre para examinar a legalidade do ato administrativo, está proibido o Poder Judiciário de entrar na indagação do mérito, que fica totalmente fora do seu policiamento” (Dos Atos Administrativos Essenciais, 1ª Ed., Forense, 1995, p. 448). Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, também se adota essa corrente, senão vejamos: “A função dos Tribunais de Contas é até hoje pouco compreendida. Está na Constituição Federal que auxilia o Congresso Nacional; não é órgão auxiliar, porque julga as contas dos agentes dos três Poderes. Julga, sim, e com todas as letras. Por esse motivo, não é assegurada a ampla revisibilidade judicial das decisões dos Tribunais de Contas pelo Judiciário, havendo o Constituinte estabelecido que "a lei não excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça de Direito", embora na própria Constituição Federal encontrem-se as exceções definidas. Somente em relação às contas anuais do País, - impropriamente denominadas de contas do Presidente da República – é que se limita a emitir parecer prévio, cabendo julgamento ao Poder Legislativo” (Revista Interesse Público, 8-2000, p. 185). A jurisprudência dos Tribunais Superiores ampara a teoria da capacidade de livre julgamento pelos Tribunais de Contas, verbis: “O TCU só formalmente não é órgão do Poder Judiciário. Suas decisões transitam em julgado e têm, portanto, natureza prejudicial para o Juízo não especializado” (TRF – 3ª T. - Ap. Cível 89.01.23993-0/MG - Rel. Adhemar Maciel - DJU 14.9.92-p. 28.119). Finalmente, o guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal decidiu que: "O Tribunal de Contas não é preposto do Legislativo. A função que exerce recebe-a diretamente da Constituição, que lhe define as atribuições" (Anais do Congresso dos Tribunais de Contas – 1995). Enfim, toda essa digressão jurídica tem por finalidade a fixação do entendimento de que os Tribunais de Contas julgam, praticando, assim, atividade judicante ou contenciosa, e corretiva, podendo o Conselheiro, portanto, condenar, pois que se torna um verdadeiro julgador. Ocorre que a Lei Maior, em seu artigo 5º, cláusula imodificável, traz a seguinte situação: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Comentando esse dispositivo constitucional, o notável Ives Granda da Silva Martins salienta, in verbis: “Impressiona-me o adjetivo utilizado pelo constituinte para definir o tipo de defesa que é assegurado ao cidadão, nos âmbitos jurídico e ADMINISTRATIVO. O texto utiliza o adjetivo AMPLA, isto é, lata, isto é, sem coerções, limitações convenientes ou reduções coniventes dos poderes constituídos”. “Para nós, constitucionalistas, sempre que uma Constituição originária perfila uma cláusula pétrea, a legislação infraconstitucional recepcionada não pode ser utilizada para reduzí-la, embora tenha forças para alargá-la” (Ampla defesa administrativa - Revista Juristas - João Pessoa, a. III, n. 92, 19/09/2006. Disponível em: http://www.juristas.com.br/mod_revistas.asp?ic=2573.) Ao tratar do conceitos de contraditório e defesa, Cármen Lúcia Antunes Rocha leciona com profunda didática, eliminando qualquer dúvida sobre o assunto: “Do brocardo romano “audiatur et altera pars”, o contraditório significa que a relação processual forma-se, legitimamente, com a convocação do acusado ao processo, a fim de que se estabeleça o elo entre o quanto alegado contra ele e o que ele venha sobre isso ponderar. Somente na dialética processual é que se afirma o Direito, de tal modo que uma assertiva e a sua contradita combinam os elementos donde o julgador extrai, sem vínculo prévio com qualquer das partes, a sua decisão jurídica”. “O contraditório garante não apenas a oitiva da parte, mas que tudo quanto apresente ele no processo, suas considerações, argumentos, provas sobre a questão sejam devidamente levadas em conta pelo julgador, de tal modo que a contradita tenha efetividade e não apenas se cinja à formalidade de sua presença”. “O princípio da ampla defesa acopla várias garantias. O interessado tem o direito de conhecer o quanto se afirma contra os seus interesses e de ser ouvido, diretamente e/ou com patrocínio profissional sobre as afirmações, de tal maneira que as suas razões sejam coerentes com o quanto previsto no Direito. Na primeira parte se tem, então, o direito de ser informado de quanto se passa sobre a sua situação jurídica, o direito de ser comunicado, eficiente e tempestivamente, sobre tudo o que concerne à sua condição no Direito. Para que a defesa possa ser preparada com rigor e eficiência, há de receber o interessado todos os elementos e dados sobre o quanto se ponha contra ele, pelo que haverá de ser intimado e notificado de tudo quanto sobre a sua situação seja objeto de qualquer processo. Assim, não apenas no início, mas no seguimento de todos os atos e fases processuais, o interessado deve ser intimado de tudo que concerne a seus interesses cogitados ou tangenciados no processo. Tem o direito de argumentar e arrazoar (ou contra-arrazoar), oportuna e tempestivamente (a dizer, antes e depois da apresentação de dados sobre a sua situação jurídica cuidada na espécie), sobre o quanto contra ele se alega e de ter levado em consideração as suas razões. (...) Para a comprovação de seus argumentos e razões, tem ele o direito de produzir provas, na forma juridicamente aceita” (Princípios Constitucionais do Processo Administrativo no Direito Brasileiro. Revista de Direito Administrativo: Rio de Janeiro, n. 209, jul./set. 1997, p. 207/209). Além disso, é imperioso notar que no Brasil a inocência é presumida, conquanto, não raro, o inverso venha ocorrendo. A presunção da inocência é um dos princípios mais importantes do ordenamento jurídico, assegurando um justo julgamento de todos, à luz dos ensinamentos de Rui Barbosa, patrono dos Tribunais de Contas, in litteris: “Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito” (Apud Fonseca, 2001). Com isso, diante da função julgadora do Tribunal de Contas, principalmente em se tratando de uma denúncia, e ante aos princípios da ampla defesa, do contraditório, da presunção da inocência e do devido processo legal (seja judicial ou administrativo), torna-se mister que o julgador envide todos os esforços na busca da verdade real, deixando de dificultar as oportunidades de comprovação do que se alega, sob pena de o julgamento ser considerado nulo de pleno direito. O Diploma Adjetivo Civil brasileiro determina que “a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso” (art. 400). O artigo 410, II, ainda traz a faculdade conferida ao julgador de colher a prova testemunhal por carta, não havendo que se limitar a defesa, mas sim, de ampliá-la, eis que a Lei Fundamental não prevê o “princípio da limitada defesa”, ao contrário, diz que a todo cidadão brasileiro é assegurada a AMPLA defesa. Nem que fosse produzida a prova por declaração pública, mas de alguma forma deve ser assegurado o direito constitucional do interessado, claro, desde que não seja com o mero escopo de procastinar o deslinde da questão. In casu¸o Regimento Interno do Tribunal de Contas mato-grossense é omisso quanto à possibilidade de produção de prova testemunhal, todavia, em momento algum dispõe de modo diverso. Sendo assim, não restam dúvidas de que na hipótese versanda deve ser aplicado o instrumento legal de processo civil brasileiro, subsidiariamente ao Regimento Interno da Corte de Contas, uma vez que este próprio diploma dispõe neste sentido, verbis: “Art. 144. Aplicam-se subsidiariamente aos processos de competência do Tribunal de Contas as normas do Código de Processo Civil Brasileiro”. Conclusão: Isto posto, entendemos que ao exercer a função judicante o Tribunal de Contas do nosso Estado de Mato Grosso, com vistas aos princípios da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal, da isonomia, da presunção da inocência e da razoabilidade, deve permitir, principalmente quando analisa e julga denúncias, que os denunciados possam produzir todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive prova testemunhal, aplicando-se, subsidiariamente ao seu Regimento Interno e à sua Lei Orgânica, os ditames do Código Processual Civil pátrio e, sobretudo, a Constituição da República. Por derradeiro, havendo possibilidade e tempo hábil para a interposição de recurso, o gestor público prejudicado deverá fazê-lo, buscando salvaguardar seus direitos fundamentais. Nestor Fernandes Fidelis OAB/MT 6006 Março/2008

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