TJ/SP
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO POPULAR – OSCIP – SERVIÇOS DE SAÚDE – TERMO DE PARCERIA – APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.790/99 – NÃO INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NA LEI Nº 8.666/93. AGRAVO PROVIDO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 0041843-96.2010.8.26.0000, da Comarca de Santo André, em que é agravante PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTO ANDRÉ sendo agravado EMERSON EDUARDO RIBEIRO.
ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS (Presidente) e LEONEL COSTA.
São Paulo, 15 de março de 2011.
CAMARGO PEREIRA
RELATOR
Voto nº: 070
Agravo de Instrumento nº 0041843-96.2010-8.26.000 (990.10.041843-2)
Comarca Santo André
Agravante: Prefeitura Municipal de Santo André
Agravado: Emerson Eduardo Ribeiro
3ª Câmara de Direito Público
Agravo de instrumento – Ação Popular – OSCIP – Serviços de saúde – Termo de parceria – Aplicação da Lei nº 9.790/99 – Não incidência das disposições contidas na Lei nº 8.666/93.
Agravo provido.
Cuida-se de agravo de instrumento contra decisão (fls. 114) que, em sede de ação popular ajuizada pelo agravado, deferiu o pedido liminar para suspensão do concurso de projetos, edital nº 02/2009, que resultou numa parceria entre o Município de Santo André e uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, objetivando desenvolver ações complementares e serviços de suporte à Vigilância Sanitária e Epidemiológica.
Sustenta a agravante que (1) por tratar-se de uma OSCIP, entidade do Terceiro Setor, a lei aplicável ao caso é a Lei nº 9790/99, que norteou a edição da Lei Municipal nº 9135/09, e não a Lei 8.666/93, mormente seus prazos. (2) A parceria não configura terceirização de mão de obra, pois a OSCIP é uma entidadelde Caráter público reconhecido pelo Ministério da Justiça. (3) O edital já foi minuciosamente analisado pelo Tribunal de Contas do Estado, que afastou a aplicação da Lei nº 8.666/93. (4) A suspensão do certame desatende ao interesse público, pois pode ocorrer o comprometimento do programa, que é de interesse da sociedade.
O pedido liminar foi indeferido pelo Desembargador Marrey Uint, às fls. 266/267.
Inconformada a agravante, em sua defesa, requereu reconsideração da decisão (fls. 269/274), que foi recebida por aquele Relator, reconsiderando a decisão de fls. 266/267 (fls. 362/363).
Contraminuta apresentada às fls. 369/376.
Parecer do Ministério Público às fls. 422/424, opinando, em preliminar, pelo não conhecimento do recurso por falta de cumprimento dos requisitos do artigo 526, do Código de Processo Civil, e/ou pelo não provimento do presente agravo de instrumento.
Vieram os autos conclusos a este Relator, nos termos do artigo 3º, § 4º, da Resolução 204/2005, por força de prevenção do Exmo. Des. Gama Pellegrini (aposentado).
É o relatório.
Decido.
Afasto, desde já, a preliminar arguida pelo Ministério Público, pois nos termos do parágrafo único, do artigo 526, do Código de Processo Civil “o não cumprimento do disposto neste artigo, desde que argüido e provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo” (grifo meu).
Como se constata da literalidade da norma processual, a arguição de inadmissibilidade do agravo é de iniciativa exclusiva do agravado.
Neste sentido:
“Para o não conhecimento do agravo, é indispensável que o descumprimento do art. 526 seja “arguido e provado pelo agravado, não se admitindo o conhecimento da matéria de oficio, mesmo não tendo os agravados procurador constituído nos autos.” (STJ-3ª T, Resp 577.655, Min. Castro Filho, j . 7.10.04, DJU 22.11.04).
“A arguição pelo MP, na condição de custos legis, de descumprimento do disposto no art. 526 não impede o conhecimento do art. 526 do CPC.” (STJ-3ª T, Resp 664.824, Min. Mauro Campbell, j . 27.10.09, DJ9.11.09).
O recurso merece acolhida.
Ainda que numa análise perfunctória, para que não haja esvaziamento da ação principal, entendo serem inaplicáveis as regras da Lei nº 8.666/93, haja vista a incidência ao caso da Lei nº 9.790/99, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, instituindo disciplinando o Termo de Parceria:
“Art. 1º Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei.”
Observa-se que, dentre os objetivos sociais das OSCIPs, está a promoção gratuita da saúde:
“Art. 3º A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:”
...
“IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;”
Ademais, o artigo 9º institui o Termo de Parceria como o instrumento que formaliza a parceria entre o Poder Público e a OSCIP:
“Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.”
Pois bem, por tratar-se de serviço público que beneficia uma coletividade, e não havendo flagrante ilegalidade, a paralisação do serviço enseja prejuízos à saúde da população deste Município.
Não se verifica, pelo menos neste momento, ato lesivo ou gravoso que não justifique a continuidade do serviço público.
Oportuno trazer à colação trechos do voto proferido pelo Desembargador Thales do Amaral, que em muito se assemelha ao caso sob exame:
“Quanto à necessidade de licitação para a escolha da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, a questão é no mínimo polêmica, já que a Lei nº 9.790, de 23.3.99, que regula a matéria, não a prevê expressamente.
Reputo que, num exame ainda preliminar, a licitação seria dispensável, sendo inaplicável a Lei nº 8.666/93, não apenas porque o diploma específico não a prevê, como também pela própria natureza da relação que se estabelece entre o Poder Público e a OSCIP, na qual o primeiro exerce atividade de fomento, ou seja, de incentivo à iniciativa privada de interesse público. Nela o Estado não abre mão do serviço público para transferi-lo à iniciativa privada, mas sim torna-se parceiro da entidade credenciada, com o objetivo de atender necessidades coletivas (cf, nesse sentido, Parcerias na Administração Pública, Maria Sylvia Zanella di Pietro, Atlas, 5ª edição, 2006, p. 272 e 273).
Com efeito, essa ilustre autora, ao mencionar as Organizações Sociais, entidades privadas às quais o Estado transfere a prestação de um serviço público, faz referência expressa a necessidade de licitação (ob. Cit., p. 270), mas não o faz relativamente às OCIPs, que são apenas parcerias do Poder Público e que, ao contrário daquelas, matem em suas mãos a prestação do serviço público.”
Desta forma, tem-se que não se figura irregular a parceria firmada pela OSCIP e o Município, já que a parceria foi estabelecida nos termos da Lei nº 9.790/99. Por fim, ressalto que o presente agravo limita-se tão somente à analise dos requisitos necessários da liminar, não invadindo a matéria de mérito, que será melhor esclarecida em momento próprio.
Diante de todo o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao presente agravo de instrumento, reformando a decisão liminar proferida em sede da ação popular.
CAMARGO PEREIRA
Relator