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Da Inelegibilidade à luz da Constituição da República

De modo simplificado, podemos dizer que a inelegibilidade é a perda da capacidade eleitoral passiva, ou seja, do direito de ser votado. A Constituição traz as seguintes hipóteses de inelegibilidades: a) inelegibilidade dos inalistáveis e dos analfabetos: Trata-se de hipótese de natureza absoluta. Os inalistáveis são os estrangeiros (mesmo que possam se expressar no idioma nacional, mas que não se naturalizaram); os índios que não se integraram e que, por isso mesmo, não sabem se exprimir na língua portuguesa; aqueles que perderam ou que tiveram suspensos seus direitos políticos (art. 15 da Constituição); os conscritos, ou seja, os recrutas que estejam servindo às Forças Armadas obrigatoriamente, bem como os profissionais da área da saúde que estejam prestando serviço militar inicial obrigatório. Freqüentemente, surgem dúvidas (geralmente suscitadas por adversários políticos) quanto à condição de alfabetizado do requerente ao registro de candidatura, posto que o analfabeto é absolutamente inelegível. Assim, a fim de sanar a dúvida-denúncia levantada, a Justiça Eleitoral tem facultado ao pretenso candidato a chance de demonstrar sua capacidade de ler e escrever, fazendo-o de forma muito discreta e respeitosa, de forma que a pessoa não reste constrangida. Neste sentido tem sido o posicionamento da Justiça Eleitoral de Mato Grosso, verbis: REGISTRO DE CANDIDATURA - CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE - ALFABETIZAÇÃO - DILIGÊNCIA - NÃO ATENDIMENTO - FILIAÇÃO PARTIDÁRIA - DUPLICIDADE - DESFILIAÇÃO FORA DO PRAZO - NULIDADE DE AMBAS AS FILIAÇÕES - RECURSO IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. “A não comprovação da condição de elegibilidade da alfabetização enseja o indeferimento do pedido de registro de candidatura, mormente quando é oportunizado ao candidato sanar a impropriedade e o mesmo quedou-se inerte. Da mesma forma, a desfiliação partidária a destempo, quando o eleitor já se encontra filiado a outro partido, enseja à nulidade de ambas as filiações e, conseqüentemente ao indeferimento do pedido de registro de candidatura” (TRE-MT, Rec. Eleit. nº1018 – Classe V, Origem Bom Jesus do Araguaia, 15ª Zona Eleitoral, Rel. Des. Paulo Inácio Dias Lessa, Acórdão 14.836/2004, j. 20-08-2004). b) inelegibilidade para mais de uma reeleição: essa inelegibilidade alcança os que tiverem sucedido ou substituído no curso do mandato o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos. Sobre essa hipótese torna-se importante destacar o deslinde de questões levadas ao conhecimento da Justiça Eleitoral, com destaque para o caso da candidatura ao cargo de Governador do Estado de São Paulo, de Geraldo Alckmin, eis que o mesmo exercia o cargo de Vice-Governador, mas em várias oportunidades substituiu o titular, Mário Covas. Com a morte física deste, Geraldo Alckmin tornou-se Governador e pleiteava o registro da candidatura à reeleição. O desfecho da celeuma foi processado e julgado pela Corte Superior Eleitoral no Brasil, verbis: CONSTITUCIONAL – ELEITORAL – VICE-GOVERNADOR ELEITO DUAS VEZES CONSECUTIVAS - EXERCÍCIO DO CARGO DE GOVERNADOR POR SUCESSÃO DO TITULAR - REELEIÇÃO – POSSIBILIDADE – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 14, § 5º. “I – Vice-governador eleito duas vezes para o cargo de vice-governador. No segundo mandato de vice, sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro mandato de vice, teria substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao cargo de governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo. II – Inteligência do disposto no § 5º do art. 14 da Constituição Federal. III – RE conhecidos e improvidos” (TSE, REsp. nº 366.488, Origem São Paulo, Rel. Min. Carlos Velloso). Logo, ficou assentado o entendimento de que, em havendo a sucessão, o Vice-Governador (assim como o Vice-Prefeito que sucedeu o titular) tem direito a uma única reeleição. c) inelegibilidade do Chefe do Poder Executivo para outros cargos, salvo se haver renunciado nos seis meses que antecedem o dia das eleições. d) inelegibilidade, no território de jurisdição do titular, do cônjuge e dos parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição: Trata-se da chamada inelegibilidade reflexa, pois deriva de laços de família ou do exercício do cargo e Chefe do Poder Executivo por substituição nos seis meses que antecedem o dia das eleições. Imperioso frisar que o Tribunal Superior Eleitoral, examinando a inelegibilidade reflexa assim se manifestou, verbis: ELEGIBILIDADE – CÔNJUGE – CHEFE DO PODER EXECUTIVO – ART. 14, § 7º DA CONSTITUIÇÃO. “O cônjuge do chefe do Poder Executivo é elegível para o mesmo cargo do titular, quando este for elegível e tiver renunciado até seis meses antes do pleito” (TSE, Acórdão nº 19.442). Quanto ao grau de parentesco, o Tribunal Superior Eleitoral, há pouco tempo, exarou uma didática decisão, verbis: CONSULTA – ELEGIBILIDADE – PREFEITO - VICE-PREFEITO – PARENTESCO – DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - PRIMEIRO E SEGUNDO MANDATO - ART. 14, §§ 5º, 6º E 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 1º, § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 – POSSIBILIDADE - RESPOSTA PARCIALMENTE POSITIVA. “1. A renúncia de prefeito, reeleito, feita nos últimos seis meses anteriores ao pleito, torna elegível o parente outrora inelegível, desde que para cargo diverso da chefia do Poder Executivo Municipal, bem como do cargo de Vice-Prefeito, à inteligência do art. 14, §§ 5º e 7º, da Constituição Federal (REspe nº 25.275, Rel. Min. José Delgado, DJ de 9.6.2006; Cta nº 965, Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, DJ de 10.2.2004; Cta nº 1.139, Rel Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 26.4.2005). 2. Parente de prefeito está apto a sucedê-lo, para um único período subseqüente, desde que o titular esteja no exercício do primeiro mandato e que a renúncia tenha ocorrido até seis meses antes do pleito (Cta nº 1.187, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 16.12.2005; Cta n° 877, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 10.6.2003; Cta nº 928, Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, DJ de 29.9.2003; Cta nº 882, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 26.8.2003; REspe nº 20.239, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Sessão de 1º.10.2002; Cta nº 709, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 8.3.2002)” (TSE, CTA, Decisão 22.599, Origem Brasília-DF, Rel. Min. José Augusto Delgado, DJ Volume 1 30-10-2007, p. 168). No tocante à impossibilidade de elegibilidade dos que substituíram o titular do Poder Executivo nos seis meses anteriores ao certame eletivo, em recentes decisões o TSE estabeleceu o seguinte, in verbis: CONSULTA. VICE-PREFEITO. ASSUNÇÃO À CHEFIA DO EXECUTIVO MUNICIPAL. ELEIÇÃO SUBSEQÜENTE. MANUTENÇÃO NO CARGO. REELEIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. “O vice-prefeito que tenha sucedido o titular, tornando-se prefeito, e, posteriormente, tenha concorrido e vencido as eleições para o cargo de prefeito, não poderá disputar o mesmo cargo no pleito seguinte, sob pena de se configurar o exercício de três mandatos consecutivos no âmbito do Poder Executivo” (TSE, CTA, Origem Brasília-DF, Decisão nº 22.679, Rel. Augusto César Peluso, DJ - Diário da Justiça 11/2/2008, p. 04). CONSULTA – VICE-PREFEITO – SUBSTITUIÇÃO DO PREFEITO NO SEMESTRE ANTERIOR AO PLEITO – CANDIDATURA – CARGO DE PREFEITO – PLEITO SUBSEQÜENTE – CANDIDATO À REELEIÇÃO – RESPOSTA PARCIALMENTE POSITIVA. “1. Vice-Prefeito que substituiu o Prefeito no último semestre do mandato pode candidatar-se ao cargo do titular (REsp. nº 23.338, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, publicado em sessão de 3.9.2004). 2. Vice-Prefeito que substitui o titular no semestre anterior, ao eleger-se prefeito em eleição subseqüente, não pode candidatar-se à reeleição, sob pena de ficar configurado um terceiro mandato (Resp. nº 23.570-AL, Rel. Min. Carlos Velloso, publicado na sessão de 21.10.2004). 3. Consulta conhecida e, em parte, respondida afirmativamente” (TSE, CTA nº 1.511- Classe V, Origem Brasília-DF, Rel. Min. José Delgado, j. 04.03.2008). Assim sendo, se determinada pessoa foi eleita para dois mandatos consecutivos para o cargo de Vice-Prefeito, somente poderá candidatar-se à Prefeito na eleição subseqüente caso não tenha ocupado o cargo de Prefeito, em substituição ao titular, nos seis meses anteriores ao dia da eleição. Com isso, se o Prefeito necessitar se ausentar por mais de quinze dias de seu território municipal, ou mesmo se precisar se afastar do exercício do mandato por qualquer outro motivo (por exemplo, para tratamento de saúde), somente o fato de o Vice-Prefeito assumir o cargo de Chefe do Poder Executivo, na hipótese em comento, já o torna inelegível para o cargo de Prefeito, razão pela qual, caso o mesmo insista em seu propósito de ser candidato à Prefeito, deverá afastar-se ou renunciar ao cargo de Vice-Prefeito, sob pena de ter de ocupar o cargo de Prefeito e restar inelegível, de modo que o Presidente da Câmara Municipal poderá exercer o cargo de Prefeito e candidatar-se à reeleição. Sobre este assunto, torna-se oportuno destacar que já houve casos, inclusive em nosso Estado de Mato Grosso, em que Prefeito veio a óbito, o Vice-Prefeito não pôde assumir o cargo de Prefeito e o Poder Executivo Municipal passou a ser representado pelo Presidente do Parlamento Municipal. Este, por sua vez, de acordo com o artigo 81, § 1º e § 2º, da Constituição da República, conduziu o processo de eleição indireta para o cargo de Prefeito, tendo em vista que a vacância ocorreu nos dois últimos anos do mandato eletivo. Portanto, o Presidente da Câmara Municipal, no exemplo citado, face a substituição momentânea dentro do período de seis meses anteriores ao pleito eleitoral, quedou inelegível para concorrer às eleições municipais, tanto majoritária quanto proporcionalmente, podendo, tão-somente concorrer ao mandato “tampão”, medianta e referida eleição indireta. e) inelegibilidade do militar alistável: o militar com direito ao alistamento eleitoral poderá ser elegível, desde que se afaste da atividade militar, no caso de ter menos de dez anos de serviço; ou, se contar com mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, em elegendo-se, passará tácita e automaticamente para a inatividade no ato da diplomação. No entanto, vale acrescentar que o artigo 142, § 3º, V, da Constituição do Brasil proíbe o militar de ser filiado a partido político. Logo, mesmo que tenha efetivado o alistamento eleitoral, o militar não poderá ser candidato enquanto estiver em atividade, pois, conforme já vimos, para ter aprovado o pedido de registro de candidatura a pessoa interessada deve estar filiada a algum partido político. Desta forma, já adiantando em parte o tema das desincompatibilizações, merece considerar que, pela lei, se a autoridade policial civil ou militar em exercício no Município quiser ser candidata à Prefeito, deverá desincompatibilizar-se quatro meses antes do dia das eleições. Se o interesse for candidatar-se ao cargo de Vereador, o afastamento deverá ser com seis meses de antecedência à eleição, com base na Lei Complementar nº 64/1990, que estabelece o seguinte: Art. 1º São inelegíveis: IV - para Prefeito e Vice-Prefeito: c) as autoridades policiais, civis ou militares, com exercício no Município, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito; VII - para a Câmara Municipal: a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal e para a Câmara dos Deputados, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização; b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização. A Corte Maior da Justiça Eleitoral assim se posiciona sobre o assunto específico, in verbis: CANDIDATO A VEREADOR. REGISTRO. POLICIAL MILITAR. DESINCOMPATIBILIZACAO INTEMPESTIVA. INELEGIBILIDADE: LC 64/90, ART. 1, IV, C, C/C VII, B. ALEGACAO DE AFRONTA A LC N. 64/90, PELA APLICACAO EQUIVOCADA NO PRAZO DE SEIS MESES DE AFASTAMENTO, E DIVERGENCIA COM O AC. 65.221/72 - TRE/SP. NAO CONFIGURADA A DIVERGENCIA ALEGADA POR TRATAR-SE DE POLICIAL QUE "INTERNA CORPORIS" EXERCIA FUNCAO DE COMANDO OU CHEFIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (TSE, Resp. nº 10.714, Acórdão nº 12913, Origem Rio Grande do Sul, Rel. Min. Américo Luz, publicado em sessão do dia 30.09.1992). Sobre este tema há muito a ser abordado, principalmente no tocante à conhecida Lei da Ficha Limpa, que passa a vigorar a partir do pleito de 2012, mas isso será objeto de um próximo artigo. NESTOR FERNANDES FIDELIS

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